Ricardo Cavalcanti
Quero que os senhores saibam que estou muito feliz por está aqui em Teresina e que deverei falar sobre “O Mundo Mágico dos Afrodisíacos”.
Há bem pouco tempo estive em Belém do Pará e poucas cidades brasileiras servem tão bem de pano-de-fundo para o assunto desta conferência. Belém é uma cidade afrodisíaca . Tirei prova disso quando visitei a feira livre do cais Ver-o-Peso. Misturando-se aos vendedores de raízes, curandeiros populares, verdadeiros herdeiros dos pajés, vi, em suas bancas, ervas de todos os tipos capazes de curar todas as doença. Lá encontrei a muirapuama, planta da região da bacia amazônica que, segundo o caboclo que me queria vendê-la, é boa contra dor de dente, funciona como loção para queda de cabelo e segundo ele, “ levanta o pau até de defunto.” Claro que eu não necessito ainda deste tipo de ajuda mas vale assinalar que a muirapuama, juntamente com a catuaba, tão conhecida no Nordeste, constituem a dupla mais afamada dos afrodisíacos de nossa flora.A catuaba, que no Ceará, é chamada de “pau da resposta” numa clara alusão às suas virtudes, é vendida em infusão com cachaça. Seu emprego tem se difundido para o sul do país, tanto que, em Minas Gerais, dizem ser comum a afirmativa: “que até o pai completar sessenta anos o filho é dele; depois disso, é filho da catuaba”. Uma outra coisa que me chamou atenção no Ver-o Peso, foi encontrar, em várias barraquinhas da feira, que de tudo vendem um pouco, alguns estranhos pedaços ressequidos de carne, dos quais exalava odor forte e desagradável.Perguntei de que se tratava e a resposta veio pronta da boca da velhinha magra, que mansamente me atendeu.“É xota de bota, bom pra fazê home vortá a ser home” . Em linguagem cristã ela queria dizer que era vulva ressecada da fêmea do boto, mamífero aquático do folclore amazônico que, de noite, se transforma em rapaz bonito e namorador, e sai emprenhando as mocinhas faceiras que vivem nas regiões ribeirinhas do rio Amazonas. A ele se atribui a paternidade de todos os filhos de responsabilidade desconhecida. Lá, naquela linda região amazônica, se chama de “filho de boto” ao que nós, no Nordeste, de uma maneira talvez mais contundente chamamos de “filho da p...”.
Digressões à parte, desejo ressaltar que é universal o emprego de partes de animais como revitalizador sexual. Com esta indicação a medicina árabe prescrevia coalho de estômago de camelo, enquanto na Ásia ainda hoje se usa sopa de barbatana de tubarão ou de ninho de andorinhas. Na Rússia, o caviar tem uma reputação tão afrodisíaca como a geleia real ou os ovos de Tartaruga, ou os ovos de codorna, entre nós. Ostras, raspas de chifres de rinoceronte, ossos fossilizados, que no Oriente se chamam indistintamente de “dentes de dragão”, e até pó de salamandra foram e ainda hoje são freqüentemente usados na busca de um desempenho satisfatório. Na Idade Média, colocar sobre a cabeça da mulher frígida um pedaço de lã com sangue de morcego era remédio certo contra a inapetência sexual.Dos afrodisíacos animais gostaria de fazer menção especial, além do espermacete , dois outros que são particularmente perigosos: o fugu e a cantárida. O espermacete é uma secreção de glândulas da pele de alguns tipos de cachalote, sendo usado contra a impotência e a ejaculação prematura e também para aumentar o desejo sexual de homens e de mulheres. O Fugu é um afrodisíaco perigoso que é extraído de testículos de baiacu, contudo o mais perigoso de todos é a cantárida. Quando se fala em afrodisíaco ela é a primeira coisa que vem a cabeça. Trata-se de um besouro nativo da região mediterrânea, Espanha e França, de onde se extrai, das asas dessecadas e pulverizadas, uma substância denominada cantaridina que, quando ingerida, além da agressão renal, irrita os genitais, causando ardor na uretra e sensação de comichão na glande. Afirma-se que este comichão provoca o desejo sexual. Todos conhecem, na história da França, as loucuras de Madame de Montespan que não hesitava em fazer com que Luís XIV absorvesse pó de ferro misturado com cantárida, para promover no infeliz uma ereção. Segundo Stark, a única e aceitável aplicação moderna da cantárida está na medicina veterinária: para convencer um touro relutante de que uma vaca tímida é a criatura de seus sonhos.Também esteve, e talvez ainda esteja em moda, muitos vegetais tidos e usados como afrodisíacos. É o caso da pimenta forte, do pimentão, das batatas, do trigo, de algumas especiarias como a canela, o gengibre, o cravo, a noz-moscada, a menta apimentada, o alho, o aipo, a cebolinha, o louro, o orégano, a páprica, a urtiga branca, o alecrim, a salva, o coentro e muitos outros.A relação é muito grande e conheço vários livros exclusivamente escritos sobre plantas eróticas. Aqui seguramente não cabe maiores considerações, mas gostaria de me deter em algumas dessas plantas. Quero começar pela aquilégia porque fiquei encantado em saber que os índios Omaha e Ponca dos Estados Unidos acreditavam que esfregando o pó das sementes desta planta nas palmas das mãos de um amante, quando ele segurasse as mãos de sua amada, haveria uma forte resposta afrodisíaca.
Ao romantismo erótico desta ingênua crença, quero juntar as propriedades eróticas do anis, também chamado de funcho ou erva-doce. Conhecido desde a antigüidade, dele Dioscórides e Plínio fazem referência dizendo que quando as serpentes vão mudar de pele, elas procuram os pés de funcho e de lá saem com a pele reluzente de juventude. Dele também nos fala Shakespeare, no Hamlet, quando Ofélia, enfeitada de palhas e grinaldas, começa a distribuir flores e ao rei entrega o funcho, símbolo da lisonja e da lascívia. Menos literato, mas seguramente mais direta, é a observação que nos faz Sangirardi quando se refere que havia na Escola de Salermo um clássico provérbio latino: “Semen foeniculi pellit spiracula culi”, magistralmente traduzida por Fernando Marques dos Reis como sendo: “Não há anus que agüente do funcho a semente”Não quero falar aqui dos filtros de amor de que aliás é muito rico nosso folclore. Vou apenas me referir ao hippomanes que era uma erva que deixava ébrio de amor a quem bebesse o seu chá. O nome vem de hippos = cavalo e mania e deve-se ao fato de que as éguas que comiam a planta tornavam-se ébrias de amor, e saiam furiosas a procura de algum cavalo que as cobrissem. Dela disse Teofrasto que bastaria alguém tocar o amado com um raminho para despertar nele uma paixão sexual tão violenta que era capaz de dar setenta cópulas seguidas.Através da história, a orquídea foi sempre conhecida por suas qualidades afrodisíacas. Prova disso é que na mitologia grega, na explicação lendária do nascimento das flores, Orchis era filho de um sátiro com uma ninfa e tendo sido morto em uma das Bacanais, retornou a vida sob a forma de orquídea.A raiz da planta é formada de dois tubérculos que lembram os testículos, o maior e mais duro promove o desejo sexual, enquanto o menor e mais mole, tomado com leite de cabra, inibe o desejo. De acordo com Teofrasto, filósofo e cientista da Grécia antiga, basta uma só aplicação de orquídea nos órgãos genitais para que ele se erga “doze vezes” seguidas. Dentre as muitas variedades do gênero Orchis, todas tidas como afrodisíacas, destaco a espécie cujo nome cientifico é “Testiculi odoratus” que se pode traduzir como testículos cheirosos, não pelo aroma de seus bulbos, mas pelo perfume de suas flores. Dela nos dá notícias Shakespeare, no Hamlet, quando a rainha conta a Laertes a morte de Ofélia que levava, entre os enfeites de sua grinalda, uma flor “que os rudes pastores dão um nome grosseiro”. Esta flor era a orquídea da espécie “Testículos cheirosos”. Também muito conhecido por sua capacidade de restaurar a força e o vigor dos órgãos sexuais, temos o pinchão que na antigüidade, era dedicado a Príapo e plantado nas proximidades de sua estátua. Acerca dele Stark conta que, na Idade Média, os monges tinha ordem de consumir um pouco de pinchão que crescia no jardim do monastério, uma vez que a dose diária da planta dava boa disposição e pensamentos positivos. Diz o autor que os piedosos monges ficavam de tal forma estimulados, que só os braços das damas da localidade eram capazes de fazer cessar o seu fervor.
Quero agora me referir a duas plantas que são sobejamente conhecidas, ainda hoje, como afrodisíacas: o ginseng e a mandrágora. O ginseng, cuja raiz tem forma humana, é muito usado, como remédio contra a impotência. Mas , de todas as plantas, a mandrágora é a mais decantada como estimulante sexual. Sua raiz, como a do Ginseng, tem a forma de um pequeno ser humano. Segundo Plínio e Dioscórides há dois tipos de mandrágoras: a negra que é fêmea e a branca que é macho.Conhecida na Mesopotâmia era, entre os gregos e romanos, consagrada a Apolo, mas sua presença é assinalada nos textos antigos de quase todos os povos. No Gênesis (30:14-16) pode-se ler:“Tendo Rubem saído ao campo, no tempo da ceifa do trigo, achou algumas mandrágoras e levou-as a Lia, sua mãe. E Raquel disse (a Lia): Dá-me parte das mandrágoras de teu filho. Ela respondeu-lhe: Porventura parece-te pouco teres roubado o meu marido e ainda queres levar as mandrágoras de meu filho? Raquel disse: (Eu permito que meu marido) durma esta noite contigo pelas mandágoras de teu filho. E, quando Jacó, à tarde, voltava do campo, Lia saiu-lhe ao encontro e disse-lhe; Virás comigo, porque eu ti tomei pelo preço das mandrágoras de meu filho. E (Jacó) dormiu naquela noite com ela.”.De acordo com os interpretes da Bíblia, Raquel queria as mandrágoras porque elas, além de serem sexualmente estimulantes, tinham fama de tornar a mulher fértil. E isso de fato ocorreu porque, como conta a história, “Raquel deu a luz a um menino de nome José”(Gen 30,14:24)Também no Cântico dos Cânticos, um dos mais lindos poemas de amor de todos os tempos, afirma-se “as mandrágoras exalam seu perfume”( Ct 7,14).Aristóteles, Hipócrates e outros filósofos gregos fazem referência a esta planta em suas obras. Na Idade Média acreditava-se que as mandrágoras cresciam junto das forcas e que do enforcamento é que vinha o poder afrodisíaco da planta. Isto porque ao ser enforcado, o homem fica com o membro em ereção e ejacula. Este fenômeno, por sinal, já tinha sido mencionado no papiro de Smith.Um dos fatos interessantes ligados a cultura da mandrágora é sua colheita. Há uma fábula que diz que se uma pessoa arrancar do chão uma mandrágora, vai sofrer terríveis conseqüências para saúde. O som dos gritos penetrantes de agonia do demônio que habita a raiz, pode matar ou enlouquecer o indivíduo. Não é sem razão que Shakespeare, põe na boca de Julieta os seguintes versos (ato 4,cena 3):“Aquele cheiro repugnante, o gritocomo o das mandrágoras, ao seremarrancadas da terra, influem loucuraem tantos quantos por ventura os ouvem...”
Em virtude desta crendice, durante a colheita da mandrágora alguém deve tocar uma trombeta ou gritar palavrões em altos brados, para encobrir os gritos da planta ao ser arrancada. Aliás a colheita merece cuidados muito particulares. Segundo Plínio, em sua História Natural, “os que a colhem devem evitar o vento no rosto e, com uma espada, devem descrever três círculos em torno dela, antes de arrancá-la”. Com o evoluir do tempo as técnicas da colheita se complicaram. Tanto que, no século I, um tal de Josephus Flavus recomendava que a mandrágora, antes de ser colhida, deveria ser regada com urina de mulher ou sangue menstrual, para diminuir o seu poder maléfico. Apesar destas precauções, ainda se dizia que se alguém tocasse na planta que estava sendo colhida, morreria. Não é sem razão que nas gravuras antigas em que se retrata a mandrágora, ela venha sempre amarrada a um cachorro. É que, para evitar o contato direto com a planta, existia o costume de amarrar um cão nas folhas da mandrágora e jogar um pedaço de carne na frente do animal. Quando o cachorro corria atrás do alimento arrancava a planta mas, inevitavelmente, caia fulminado ao som dos gritos do demônio.Verdade ou não, o fato é que a mandrágora é muito conhecida em todos os povos Até Maquiavel, sempre muito sóbrio, escreveu uma comédia em sua honra.Quando se pensa em acender o desejo e, sobretudo em manter a “virilidade”, a regra é o vale tudo. No mundo de hoje, com a liberação sexual da mulher há sempre a exigência de um bom desempenho sexual. O homem está muito pressionado... Isto é particularmente verdadeiro quando o pobre coitado é um idoso. Com o passar dos tempos há um declínio geral das funções corpóreas e, dentre elas, da função sexual, o que, pelo menos em nossa cultura, é um convite aos chamados métodos de rejuvenecimento. Para as pessoas idosas há sempre o consolo de apelar para as fórmulas mágicas de valor “garantido”, antes de tentar o uso do Viagra ou de usar injeções intracavernosas ou ainda de colocar uma prótese peniana. No Ananga Ranga há várias prescrições afrodisíacas chamadas de Vajikarana. Uma delas consiste em molhar grãos de Urid ( Phaseolus radiata )no leite açucarado e deixar no sol durante 3 dias. Em seguida pulverizá-lo e fritá-lo na manteiga para ingeri-lo todos os dias, pela manhã. Está textualmente escrito no Ananga Ranga : “O paciente, por mais idoso que seja, reconquistará um extremo vigor e poderá gozar com 100 mulheres.”Ainda que eu não acredite nem um pouco nesta “maravilha”, não custa nada tentar.Para o macho de nossa espécie ter intacta a capacidade da ereção é uma das coisas mais importantes para manter sua auto-imagem. Tudo deve ser feito para evitar aquilo que os italianos chamam, graciosamente, de “impotenza strumentale”.Nesta luta vale desde as receitas, as beberagens, os alimentos, os perfumes, as fórmulas mágicas e os encantamentos. Os babilônios, há mais ou menos de 4.000 anos a.C., já faziam uso de drogas para aprimorar o desempenho sexual; os gregos, hindus, egípcios, chineses, árabes já utilizavam estimulantes eróticos para ativar o desempenho e aumentar ou despertar o desejo. Plínio relata práticas incríveis vivenciadas pelos romanos que consumiam vísceras de aves, lagartos, peixes, rãs, molares de crocodilo, testículos de cavalos, urina de touro que acabou de copular,etc.
O uso da flagelação e de pancadas sobre o pênis era remédio usado para aumentar a circulação do sangue e produzir boa ereção. A propósito conta-se que Tamerlão, guerreiro mongol do século XIV, necessitava ser flagelado antes de ter relações sexuais. Ou apanhava ou “brochava”. Neste particular, uma prática curiosa é a urtigação. Embora dela o velho humorista e satirista francês Rabelais já nos tenha feito boa descrição, merece destaque o que escreveu Petrônio, no Satiricon, relatando as desventuras do jovem Encólpio.“Em suas andanças pelo mundo, afirma o autor, o rapaz conheceu uma velha chamada Proselenos e por ela foi coagido a ter relações sexuais. No momento em que sentiu o contato obsceno da velha, o pênis se fez de morto e nada o demovia dessa atitude por mais que o pobre Encólpio invocasse os deuses. A velha irritada e lacrimosa levou o coitado a presença de Enotéia, sacerdotisa de Príapo, para que o curasse mas, antes lhes deu uma boa surra com um grosso bastão deixando-o todo esfolado.Enotéia, tão velha quando Proselenos, depois de inteirar-se do mal de Encólpio e garantir sua cura, começou o tratamento usando um falo de couro que, segundo o rapaz, após ter untado de óleo e salpicado de pimenta em pó e grãos de urtiga pilada “paulatim coepit inserere ano meo” (lentamente começou a introduzir dentro do meu anus). “Depois disso a velha e crudelíssima feiticeira me borrifou as coxas, repetidas vezes com suco de mastruço e abrótano e, depois de haver derramado o líquido sobre minhas partes pudendas, começou a me fustigar, lentamente, com folhas de urtiga. Queimado e desesperado, ainda fui bicado pelos gansos sagrados do templo e não me restou nada a não ser sair correndo, feito um louco, enquanto as duas velhas me perseguiam gritando, a pleno pulmões: pega o ladrão, pega o ladrão...”Esta clássica estória da literatura romana, contada no Satiricon de Petrônio que eu reproduzi integralmente, bem que retrata o desespero dos impotentes e, seguramente, da não menos desesperada terapêutica a que eles se submetiam.Na Idade Média, lá pelas alturas do ano de 1360, que um tal de Nicolas Flamel anunciava uma receita muito eficiente para restaurar a potência dos homens. Ele dizia textualmente “ Esmague um grão de bardana (planta da família das Compostas) em um vaso juntamente com o testículo esquerdo de um bode de três anos. Anexe uma pilada de pó proveniente dos pelos das costas de um cachorro inteiramente branco. Estes pelos devem ser cortados no primeiro dia da lua nova e queimados no sétimo. Coloca-se tudo para ferver em uma vasilha meio cheia de aguardente, cuja garrafa ficou sem rolha durante 21 dias, para que pudesse receber a influência dos astros. Ao vigésimo segundo dia, que será justamente o primeiro da lua seguinte, deve-se cozinhar tudo até que o preparado se torne bem espesso. Acrescente, então, quatro aparas de unhas de crocodilo e tenha o cuidado de coar a mistura. Este líquido ao ser esfregado nas partes naturais do homem fará maravilhas.” Como se pode notar, é uma receita muito simples. Tudo está em usar o testículo esquerdo do bode e não o direito e que o cachorro tenha o pelo inteiramente branco. É claro que o remédio não fará efeito se os pelos não forem cortados no primeiro dia da lua nova.Na história destes preparados afrodisíacos há certas receitas curiosamente interessantes. Rouet nos relata que era muito conhecida na antiga Europa a seguinte receita para manter a potência em alto nível: “usa-se bálsamo da cinza do lagarto estelião misturada com óleo de milfuradas e de cebolinha. Toma-se então esta mistura e com ela se unta o dedão do pé esquerdo e os rins, uma hora antes de entrar em combate. A saída, garantem, será honrosa e satisfatória”.Creio que foi Duncan MacDougall quem afirmou que, no reino estranhamento folclorizado do comportamento sexual, a questão dos afrodisíacos, é sem dúvida, a mais folclórica. Todos já ouviram falar das coisas que são capazes de favorecer ou aumentar o desejo e a excitação sexual das pessoas. Para sistematizar nosso estudo posso lhes dizer que os afrodisíacos - e aqui vou usar a expressão em seu sentido mais amplo - nos chegam sempre através dos sentidos, podendo-se distinguir uma afrodisia visual, uma tátil e outra olfativa. A audição e a gustação não são modalidades significativas para a vida sexual do ser humano. O papel da visão na vida sexual do ser humano é imprescindível. Os caracteres sexuais primários sempre foram objeto de admiração e de atração erótica. Nas danças de várias tribos, a exibição dos órgãos genitais é parte essencial. Também são comuns as deformações sexuais, consideradas como fatores de embelezamento e de erotismo O alongamento artificial do clitóris e dos pequenos lábios são, em alguns povos primitivos requisitos indispensáveis a beleza das mulheres. Elas se tornam tanto mais desejadas quanto maior sejam os seus clitóris e mais longas as suas ninfas.Mutilações do pênis são também amplamente conhecidas. Como exemplo podemos citar o “ampallang” bastante comum no sudoeste asiático. Naquela região é comum se praticar cortes sobre o prepúcio e introduzir, nestas fendas, pouco antes do ato sexual, pequenas varetas perpendiculares ao pênis, geralmente feitas de cobre, marfim, ouro ou prata. Além de serem consideradas estéticas alargam a extremidade do falo, com o que aumentam seu atrito em relação às paredes vaginais.Entre os birmanezes, grandes amantes de música uma nota estética foi acrescentada. Prendem a estas fendas pequeninos sinos de bronze. Segundo Reubem “concebe-se que um talentoso amante birmaniano possa fazer amor com sua amada e ao mesmo tempo executar uma agradável melodia. E há outras vantagens também. Se um marido birmaniano chega em casa inesperadamente e ao transpor a porta ouve a música de sinos, alguém vai ficar em apuros.”Eu poderia falar, amplamente, da importância da visão como fator afrodisíaco, mas permitam-me que enfoque, também um pouquinho o papel afrodisíaco do tato e do olfato. Eles são menos conhecidos e, por isso mesmo, merecem mais destaque.
Vamos começar pela afrodisia da pele. A pele não é somente o limite externo de nosso corpo, é também o meio sensitivo que nos põe em contato com o mundo exterior. Nada mais excita o desejo que o contato da mão na pele. Qualquer mulher sabe que o aperto de mão do homem desejado é suficiente para produzir excitação e até o orgasmo. Que o digam também as chamadas modernas massagens para executivos.Eu poderia falar sobre as zonas erógenas mas, bem mais importante para o estudo da afrodisia da pele é o estudo dos banhos. Eles atingiram alto grau de desenvolvimento entre os romanos, de modo que o turista que visita Roma leva sempre a indelével recordação dos banhos de Caracalla. Talvez pelo aspecto erótico dos banhos romanos, a Igreja Católica, em seus primórdios, foi contra ele. Ellis observando o contrate entre o paganismo romano e o cristianismo, face a higiene corporal, afirma que a Igreja matou o banho. Na verdade encontramos nas Constituições Apostólicas do século III a recomendação de que as mulheres não se deveriam lavar demasiado, nem com muita freqüência, e sob nenhum pretexto, diariamente. Santa Paula afirmava que “a pureza do corpo significava a impureza da alma”. Na Idade Média, quando cessaram os excessos dos primitivos ascetas, era autorizado aos monges tomarem dois banhos por ano. As regras de Cluny somente permitiam três toalhas de banho para toda a comunidade: uma para os noviços, uma para os professos e a terceira para os irmãos leigos. Havia uma verdadeira glorificação cristã da imundície. Era como dizia Franklin “ganhava-se em moralidade, perdia-se em higiene”.A afrodisia cutânea está muito bem explicitada nos Kamas Sutra. Arranhaduras, mordidas e pancadas eróticas. Esfregar coisas sobre a pele dos genitais é processo muito conhecido. Usavam praticamente tudo: fel de javali, sebo de jumento, gordura de ganso, excrementos de camundongo.Conta-se que os antigos, observando a potência do garanhão, costumavam cortar o pênis do animal e com ele friccionar o falo debilitado dos impotentes na esperança de que, por contato, fosse transferido do cavalo para o homem a mesma potência observada no eqüino.No “Jardim das Delícias”, do Xeique Nefzaui, entre as inúmeras prescrições para aumentar as dimensões penianas, assinalo o seguinte remédio: “lava-se o membro com água quente até que ele se torne vermelho e entre em estado de ereção. Então toma-se um pedaço de couro macio, sobre o qual se espalha piche quente e envolve-se com ele o pênis .Não tardará muito que o falo erga a cabeça trêmulo de paixão...” O xeique afirma que a eficácia deste remédio é bastante conhecida e que ele fez o teste pessoalmente.
Muito interessante é o estudo da afrodisia olfativa. Todos conhecem o papel dos feromonios. E não se pense que feromonio é apenas questão dos animais. Na espécie humana a atração feromonial não é tão decisiva como nos animais inferiores, mas sem dúvidas existe.“Um mesmo odor pode ser, em um certo momento muito agradável e, no momento seguinte tornar-se desagradável, dependendo da atitude emocional que resulta dessa associação.” Isto ocorre com o perfume das pessoas. Na verdade, sem o recurso da imaginação, o odor particular que uma pessoa emana, pode, sem que percebamos, nos excitar ou provocar repulsa.Rosseau, em “Emile”, diz que o olfato é o sentido da imaginação. Creio que há uma boa dose de razão em sua afirmativa. Parece haver uma espécie de memória afetiva dos odores porque o olfato tem o poder de evocar lembranças na tonalidade afetiva das pessoas. Este fato é assinalado por inúmeros poetas e romancistas. Baudelaire, em suas “Flores do Mal”, confessa a importância do odor sobre sua vida afirmando: “Minha alma viaja sobre o perfume como a alma dos outros homens sobre a música”.No Cântico dos Cânticos há nada menos do que 24 citações bem definidas sobre odores e sua relação com o amor. E, entre os hindus, Vatsyayana afirma que o suor da “mulher lotus” tem o odor do almiscar, enquanto o de uma mulher vulgar tem o odor de peixe. Também quem leu as “Memórias” de Casanova deve-se recordar quando ele afirma “Há qualquer coisa no quarto de dormir da mulher que se ama, alguma coisa de tão intimo e tão perfumado. Quem já leu “Guerra e Paz” de Tostoi deve-se recordar que o conde Pedro se decidiu, precipitadamente, casar com a princesa Helena depois de ter sentido seu odor, durante um baile. Cada indivíduo tem seu cheiro próprio e uma coisa é certa: as condições nervosas afetam o odor corporal. Vou mais além, na mesma pessoa o odor se modifica com a idade e com certas condições fisiológicas. Hipócrates já tinha assinalado isto. Segundo Havelock Ellis, os homens e as mulheres emitem um certo odor durante a excitação sexual, diferente daquele que normalmente é emitido pelo corpo. Aliás na vida de São Francisco Néri, escrita por Gollonius, afirma-se que o santo era capaz de reconhecer um homem casto pelo seu odor. Diz o biógrafo que o São Francisco descobria o odor da impureza, antes do penitente fazer sua confissão. Alias a este respeito conta-se que havia, em Praga, um monge que pelo cheiro podia reconhecer a castidade das mulheres que dele se aproximavam. Ele estava se preparando para escrever um livro sobre odores quando a morte o surpreendeu. Dizem que a morte foi cúmplice das mulheres...
Klein afirma que as glândulas vestibulares da vulva emitem uma secreção sexual odorífica que serve de atração sexual para o macho. O odor genital de uma pessoa pode ser afrodisíaco para o parceiro que a ama, e repulsivo para outra pessoa. Não tenho dúvidas em afirmar que o odor dos genitais é sempre um fator de atração sexual para o macho. De um modo geral o grande atrativo da cunilingua e da felação deriva, em grande parte, do odor que emitem os órgãos genitais da pessoa que se ama.Em certos povos há o costume de não se lavarem as partes genitais, porque um forte odor destes órgãos é considerado como estimulante sexual. Graças a Deus, para nós que somos ginecologistas, nem todos fazem disso uma regra geral. Ainda que hoje, como nunca, esteja à disposição de qualquer um a verdadeira parafernália no mundo muito louco dos “porno-shops”, não se diga que os afrodisíacos são coisas dos tempos de hoje. Eles sempre existiram. É uma eterna aspiração de todos os homens, viva em qualquer cultura, pouco importando o grau de civilização.No campo científico, no entanto, pouca atenção ou crédito se dá aos afrodisíacos, e quando a eles se referem é sempre na base da pilhéria e da gozação. Eu não sei bem se esta atitude reflete o pensamento de cada um ou é apenas uma forma de esconder, através da piada, a verdade de que convivemos todos nós com nossos preconceitos, nossos tabus e nossas crendices. Mas finalmente, há de se perguntar: existirão realmente substâncias afrodisíacas? São elas simplesmente produtos de mitos e de crendices? Eu não tenho, seguramente, a resposta completa para esta pergunta. É provável que algumas drogas retiradas do mundo animal e vegetal possam interferir no ciclo fisiológico da resposta sexual humana; é também provável que alguma crendice, gestada e reforçada pela cultura, possa interferir no comportamento erótico das pessoas. Somos, na verdade, indissociáveis unidades biológicas e sócio-culturais.Temos, muitas vezes, a veleidade de afirmar que a ciência é o repositório de toda a verdade. A ciência realmente nos abre os olhos, mas também nos torna cegos para tudo aquilo que está além ou ao lado dos seus próprios limites. Há uma respeitável relatividade nas coisas. A verdade científica é relativa. A própria noção temporal é relativa. Passado, presente e futuro são coisas relativas. Para se estar presente é preciso ser, ao mesmo tempo, contemporâneo do passado e do futuro, e é neste delgado fio que se estende entre passado e futuro, que desliza o conhecimento humano.No começo, toda explicação era mágica e mística e da magia nasceu a ciência, ela é como um tênue raio de luz que vai se deslocando em direção ao futuro, ladeada pela magia e pela mística. É preciso entender o campo da ciência e o campo da mística como dois níveis distintos de conhecimento, dois níveis distintos de verdades. Não se pode com os instrumentos de trabalho de um, penetrar ou julgar o mundo do outro. Somos donos dos dois mundos, vivemos ora em um nível ora em outro. E nesta visão não há o maniqueísmo do certo ou do errado. Parece paradoxal dizer que cremos e não cremos no que estamos crendo. Não me perderei nesta questão para a qual não temos uma resposta satisfatória. Direi porém, que dentro das incertezas a que nos leva o estranho e fascinante mundo dos afrodisíacos, há algumas certezas. Uma delas é que o amor é um grande afrodisíaco. Que maravilhoso desempenho quando se ama, que desejo, que acrobacia, que variedade de posições, que resistência física invejável. É a força afrodisíaca do amor. Não há, porém, como quantificar cientificamente o amor, nem como explicá-lo simplesmente pela magia. A emoção amorosa, no entanto, tem componentes fisiológicos objetivos mas eles são apenas uma face do imponderável sentimento amoroso. De certa forma os afrodisíacos estão neste campo. Não tenho como lhes dizer que eles são cientificamente efetivos, mas também não lhes posso garantir que eles sejam inúteis. Eles não dependem e nem vivem no mundo da ciência mas, como diz a sabedoria oriental: não se pode dizer que as estrelas não existem simplesmente porque o céu está nublado...
Veja abaixo o link de onde encontrei este artigo
Cavalcanti Ricardo - A História Natural do Amor, págs165 a187, Editora Gente - 1995
Atenciosamente,
Cosme Ferreira
Fazendo o melhor para você e sua Família!!